QUAL O VERDADEIRO SENTIDO DE GÊNESIS 3.1?

Pr. Rayfran Batista da Silva*

@rayfranbatista

Ora, a serpente era mais astuta que todas as alimárias do campo que o Senhor Deus tinha feito. E esta disse à mulher: É assim que Deus disse: Não comereis de toda a árvore do jardim?” (Gn 3.1) ARC

Gênesis é o livro das origens do céu, da terra, do homem e de todo o universo. Registra também a entrada do pecado no mundo humano. O capítulo 3, mostra quem provocou a tentação, os envolvidos nela e que roteiro foi seguido, bem como as consequências sobre Adão e Eva, sobre a sua famílía e, por fim, sobre toda a humanidade chegando, até os nossos dias.

Deve-se observar o sentido original de pelo menos duas palavras hebraicas que se destacam no v. 1: primeiro, a palavra nahãs, traduzida por serpente ou cobra. Segundo, a palavra hebraica arum, traduzida por sagaz ou astuta.  Quanto a primeira, F.F. Bruce afirma: “a serpente: cobra (BLH) seria uma tradução melhor, pois trata-se da palavra hebraica normal nahas. Embora o elo com Satanás esteja implícito no v. 15 e explícito no NT, não é explicado aqui. Ela é apresentada como o mais esperto e inteligente (Leupold) entre os animais selvagens – não há conotação negativa na palavra. A tentação é retratada como que vindo não de um ser superior, mas de um ser inferior, sobre o qual a mulher deveria ter exercido domínio. Como a mulher ouviu o réptil, não é explicado no texto. (F.F. BRUCE, 2015, p. 160).

Assim como o teólogo citado, um grande número de estudiosos da Bíblia acredita que a informação primária do texto em análise, é que Satanás fez uso de um animal, uma criatura de Deus, de rara inteligência, sagacidade ou esperteza que, de alguma forma chamava a atenção, possivelmente, por seu porte ou andar destacado ou, simplismente devido a sua sagacidade. Portanto, pode-se afirmar que o texto fala tanto de uma serpente enquanto animal, como também destaca a figura do tentador que, posteriormente, se tornou conhecido como a serpente, 2 Co 11.14, e a antiga serpente, Ap 12.9; 20.2.

Com relação à segunda palavra em destaque, Heber Carlos de Campos afirma: “Por um lado, não havia nenhum problema no fato de eese animal ser sagaz porque o termo hebraico arum (traduzido como sagaz) pode ter uma conotação positiva como “prudência, esperteza, inteligência e perspicácia” (Pv 1.4; 15.5;19.25; Mt 10.16). Por outro lado, a palavra arum pode ser usada de modo pejorativo e negativo na Escritura e significa pessoas que possuem astúcia (1 Sm 23.22; Ef 4.14) e são ardilosas (Lc 20.23), enganando com palavras (Jó 15.5) e armando ciladas para que outros caiam (Sl 83.3; Jó 5.12)… No texto de Gênesis 3.1 podemos ver a sobreposição da sagacidade do bem pela sagacidade do mal. Satanás, que tenta Eva, toma a sagacidade positiva da serpente e a faz instrumento de sua sagacidade negativa”. (CAMPOS, 2019, pp. 44,45).

A continuidade do capítulo 3, mostra que, Satanás entrou no habitat original do ser humano e escolheu uma serpente astuta para executar o seu plano de tentação. E, sua sagacidade, torna-se ainda mais evidente ao escolher a Eva e não Adão, seu esposo. Ela era a esposa daquele com quem Deus havia feito o pacto diretamente. Adão tinha ouvido as instruções diretamente do Criador. Acredita-se que Eva conhecia a ordem de Deus quanto a não comer da árvore do conhecimento do bem e do mal (Gn 1.16,17), mas ela não era o cabeça do lar (1 Tm 2.14). “Satanás abordou Eva com o objetivo de distorcer a perspectiva que ela possuia a respeito das ordens de Deus e, lançando dúvidas sobre a palavra de Deus, sugeriu uma alteração da ordem de Deus e ainda desmentiu a ordem divina falando o contrário do que Deus havia afirmado: “certamente não morrereis” (Gn 3.4). Ele provocou a queda da raça humana, por meio do engano. O engano será o meio principal que Satanás usará para levar as massas à rebelião contra Deus no fim da história (2 Ts 2.8-12; Ap 20.8)”. (STAMPS, 2010, p. 36).

O leitor atento, poderá identificar no terceiro capítulo de Gênesis, pelo menos dez consequencias da desobediência do primeiro casal: (1) Medo, Gn 3.10; (2) Vergonha, Gn 3.11; (3) Culpa, Gn 3.12; (4) Maldição, Gn 3.14,17; (5) Inimizade, Gn 3.15; (6) Dor, Gn 3.16, 17; (7) Cansaço, Gn 3.19; (8)  Expulsão, Gn 3.23; (9) Separação, Gn 3.24; (10) Morte, Gn 3.19.

As doutrinas bíblicas organizadas apartir dos estudos de teologia siatemática em uma visão ortodoxa, que são conhecidas como antropologia, hamartiologia e soteriologia, deixam bastante claro que a queda do ser humano, lá no Éden foi uma lastimável realidade que não pode ser negada. No entanto, ainda que o homem tenha caído, a Biblia oferece uma mensagem cheia de conforto e esperança. O homem caiu, mas Deus veio em sua procura. Deus não abandonou. O homem ainda retém a imagem de Deus. A missão de Cristo no mundo teve por finalidade reverter todos os vestigios da queda, pois a apóstolo João escreveu que Jesus se manifestou para desfazer as obras do Diabo (1 Jo 3.8). A obra expiatória de Jesus, na cruz, pode reconciliar o homem com o seu criador e além disso, pode conferir a genuina comunhão com Deus e oferece também, a certeza da imortalidade, por meio da qual os homens podem vir a compartilhar da natureza divina (2 Pe 1.4).

Referências:  

BRUCE, F.f. Comentário Bíblico NVI Antigo e Novo Testamento. São Paulo: Vida, 2015.

CAMPOS, Heber Carlos de. O Habitat humano. O paraíso perdido. São Paulo: Hagnos, 2019.

STAMPS, Donald. Bíblia de Estudo Pentecostal. Rio de Janeiro: CPAD, 2010.

*Rayfran Batista da Silva

Pastor Titular da Assembleia de Deus em Santa Inês-MA. 1º Vice-Presidente da CEADEMA – Convenção Estadual das Assembleias de Deus no MA. Pós-graduado em Teologia. Graduado em Filosofia, Letras e História. Autor do livro “Discipulado Eficaz e o Crescimento da Igreja”, publicado pela CPAD e mais 17 livros nas áreas de Bíblia, Teologia e  História Eclesiástica.