A GRAÇA SALVADORA DE DEUS
Graça é um favor imerecido. Teologicamente esse favor imerecido de Deus é classificado como graça comum e graça especial. A primeira é a forma do Criador dar a chuva, o sol, habilidades naturais para os homens, etc. A última expressa o grande favor imerecido de Deus para a humanidade no sentido de manifestar a salvação.
A falta de valorização da graça salvadora é perceptível na negligência das músicas e pregações evangélicas referentes à cruz de Cristo. A morte e a ressurreição de Jesus são inerentes a própria graça ( Ef 1.6, 7; Tt 2.11, 14). Não significa também que a obra e a vida de Cristo limitam a mensagem do Evangelho, porque a Bíblia fala de muitos assuntos como casamento, prosperidade, dons espirituais e outras coisas do tipo. Se Cristo e seus feitos salvíficos não limitam a pregação da Igreja, acredita-se que eles são o centro dessa pregação no sentindo de esses assuntos, apresentados no Antigo e Novo Testamento, girarem em torno da vida e obra redentora do Filho de Deus. Por exemplo, a Bíblia, ao falar de casamento, é na percepção de lembrar a união de Cristo com a Igreja (Ef 5.22-25). Outro fator que não pode deixar de ser lembrado nas Escrituras são os dons espirituais. O carisma não tem fim em si mesmo, mas ele se relaciona a morte e ressurreição de Cristo. Os dons espirituais só foram possíveis para os membros da Igreja, porque o Espírito Santo veio. O Espírito só veio em função do sacrifício, ressurreição e ascensão de Cristo com sua expressão na revelação realizada pela graça de Deus. A relevância dos dons carismáticos compete na edificação da Igreja como um corpo que se converge em uma cabeça, Cristo.
Ao contrário do que disse Jesus para Paulo, no tocante a sua graça ser suficiente (2Co 12.8, 9), algumas pessoas não querem viver essas palavras. A graça que traz a salvação se tornou comum e a graça comum se tornou especial. A coisas materiais e as habilidades naturais são mais apreciadas do que a própria salvação da alma. Isso está acontecendo devido a mensagem da graça ter sido por muito tempo substituída por coisas comuns dessa vida. Não generalizando, no momento em que a mensagem da cruz é pregada ou cantada, não se enxerga pranto, lágrimas de arrependimento e de gratidão, ela é tratada como se dissessem: “isso eu já sei”. Enquanto isso, os autores do Novo Testamento não registraram a doutrina da graça na intenção de ser uma introdução do cristianismo, mas sim, como o início, meio e fim da fé cristã. Todo dia é dia de ouvir, valorizar e agradecer ao Senhor, “porque a graça de Deus se manifestou, trazendo salvação a todos” (Tt 2.11).
É inevitável falar da graça sem se lembrar de amor e vice-versa. Moisés escreveu para os hebreus demonstrando a relação entre o amor e a graça de Deus. “O Senhor os amou e escolheu, não porque vocês eram mais numerosos do que outros povos, pois vocês eram o menor de todos os povos” (Dt 7.7). No texto o amor é lembrado no verbo amar, o termo graça não é citado especificamente, porém, o sentido de graça é subentendido concernente Israel foi escolhido sem os seus próprios méritos, dado que ele era a menor de todas as nações da terra. Isso se aplica a Igreja de Deus que foi predestinada ainda na eternidade em amor para louvor da glória de sua graça (Ef 1.4-6).
A graça é a grande manifestação do amor de Deus para salvação de um mundo que merecia somente juízo. Embora a ilustração seja imperfeita em comparação com o amor infinito de Deus, imagine as grandes Cataratas do Iguaçu com suas cachoeiras derramando toneladas e toneladas de águas sem parar em um pequeno copo. Através da sua graça, Deus derramou um amor imenso sobre o mundo caído moralmente. Em relação a isso João escreveu: “Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna (Jo 3.16). Apesar dessa passagem não trazer exatamente a palavra graça, o seu contexto deixa claro ao apresentar Jesus falando ao religioso Nicodemos que achava que fazia parte do Reino de Deus por seus atos meritórios em relação ao cumprimento da Lei, quando, na verdade, não. Cristo o lembrou que ele só teria a vida eterna, isto é, só entraria no Reino dos céus, por meio da ação graciosa do Pai de ter enviado o Filho em sentimento de um amor incalculável. A relação da graça e do amor de Deus nesse texto fala do propósito de garantir unicamente a salvação. Cuja referência joanina traz a conjunção grega hina (para que) e o verbo grego no subjuntivo eche (tenha), que gramaticalmente quando essa conjunção e esse verbo se encontram na mesma oração indica propósito. O objetivo da entrega de Jesus para ser morto não é no propósito de alguém alcançar bens materiais, e sim para ter a vida eterna com Deus. O texto também deixa implícito que o amor de Deus inerente a sua graça, exposto no sacrifício do Filho, livrará as pessoas do inferno.
O apóstolo Paulo, do mesmo modo, relaciona a graça com o amor de Deus ao afirmar: “Mas Deus prova o seu próprio amor para conosco pelo fato de Cristo ter morrido por nós quando ainda éramos pecadores” (Rm 5.8).
A seguinte passagem paulina que expressa o amor de Deus pelos pecadores se acha no contexto que aborda o assunto da graça do Senhor (Rm 5.2). A prova e a demonstração do amor de Deus, o verbo provar é representado pela palavra grega sunistesin que se encontra no presente do indicativo. O tempo presente indica uma ação inacabada. Deus demonstrou o seu amor entregando o seu Filho uma única vez, no entanto, essa ação inacabada implica um valor eterno desse amor. Homem algum pode dizer que Deus não o ama, porque o sacrifício de Jesus garante uma demonstração eterna do seu amor na manifestação do seu favor imerecido.
Para as pessoas glorificarem o Senhor em relação à sua graça, devem iniciar por onde a Bíblia começa, pela compreensão da doutrina do pecado. Se os homens não entendem acerca do pecado, não exatamente um entendimento lexicográfico do termo, que significa errar o alvo, todavia o que seus efeitos causaram na vida do homem e no restante da criação de Deus. Só se sabe o quanto brilha uma estrela, quando é posta em um céu negro; semelhantemente, para se saber o quanto a graça de Deus é especial é necessário situá-la sobre o entendimento da negridão do pecado.
A queda de Adão resultou em uma generalização da desconstrução do caráter moral de Deus na raça humana e simultaneamente acompanhado de males físicos e espirituais. (1) O pecado é universal, uma vez que todos pecaram (Rm 3.23). O homem já nasce com o pecado herdado, ou original de Adão (Sl 51.5); (2) o pecado é irracional, os homens dominados por ele fazem coisas sem pensar, como no caso de um homem que deixa esposa e filhos para aventurar na vida promiscua; (3) o pecado afeta os sentimentos, Deus disse para Noé que o coração do homem é continuamente mau (Gn 6. 5); (4) o pecado afetou a mente. O apóstolo Paulo disse que o Diabo, o deus desse século, cegou o entendimento dos incrédulos para impedir a luz do Evangelho revelar a glória de Deus em Cristo (2Co 4.4); (5)o pecado dá uma falsa impressão de que o ser humano é bom, um jeito perigoso de elevar a justiça humana, justiça essa que é considerada na Bíblia como trapo de imundícia (Is 64.6).
Devida a impossibilidade de o homem compreender a forma como pecado prejudicou a sua vida espiritual, Deus usa todas as mazelas no mundo, como doenças, terremotos, tsunamis, guerras, etc., como reflexos para a humanidade contemplar e perceber o quanto o pecado ofendeu o mundo espiritual dos seres humanos. A morte física é a reprodução da morte espiritual e da morte eterna como pagamento do pecado (Rm 6.23). Em outras palavras, as misérias manifestadas no mundo físico seriam o grito de Deus dizendo: “olha como/o quanto o pecado afrontou a minha santidade e causou turbulências na vida espiritual dos homens”. A ideia de o pecado afrontar aqui não se trata de ter manchado a santidade de Deus, entretanto, causou no homem um grande desrespeito contra o Senhor que o criou para refletir a sua imagem. Por conta disso, o Criador estabeleceu um propósito para punir o pecado no pecador.
O pecado aconteceu na esfera física e ao mesmo tempo na esfera espiritual. Trouxe consequências físicas e danos eternos. Logo, a punição do pecado, para resolver os males espirituais, deve ser realizado no corpo humano. E isso só seria possível se o espiritual se revestisse do físico, a eternidade da temporariedade e o divino do humano. Pela graça de Deus esse feito aconteceu quando o Espírito se fez carne, o eterno rompeu o tempo, o Altíssimo rompeu a barreira do pecado a partir do memento que andou, comeu, bebeu e conversou com pecadores. A sentença do pecado por intermédio de Deus se revestindo de carne humana tinha o propósito de trazer tudo como era no princípio – o físico se revestir do espiritual e a mortalidade da imortalidade (1Co 15. 53).
O Criador, por causa do pecado, julgou o homem a uma condenação eterna. Onde está a justiça e a retidão de Deus em condenar o homem ao sofrimento eterno, se ele não pecou eternamente? Em resposta, o ser humano pecador merece a condenação eterna em detrimento de ter pecado contra um Deus eterno. Um homem mortal, por mais que fosse perfeito, não poderia resolver o problema eterno do pecado. Logo, então, o Deus eterno, se fez carne na pessoa de Jesus de Nazaré no objetivo de solucionar o problema eterno do pecado. Enquanto, a divindade de Cristo capacitou o seu sacrífico a ter valores eternos para desfazer os efeitos perene do pecado ao mesmo tempo a sua humanidade garantiu a penalidade do pecado, porque a punição do pecado só era possível punindo o pecador e, Cristo sem pecado, se fez pecador no lugar do homem. Tudo isso se resume na maravilhosa graça de Deus em favor dos homens, onde não poderiam realizar nada a seu próprio respeito no que tange a salvação de suas vidas.
Portanto, a graça salvadora tem a função primária em promover a glória de Deus e simultaneamente anular qualquer louvor ao homem por seus méritos no equivalente à sua salvação. Escrevendo aos efésios, o apóstolo Paulo disse: “Porque pela graça sois salvos, mediante a fé, e isto não vem de vós é dom de Deus; não de obras para que ninguém se glorie” (Ef 2.8, 9). Não quer dizer que o autor da carta aos efésios esteja desprezando as obras, o seu descaso com elas está no motivo da raça humana alcançar a salvação sem o auxílio da pessoa de Cristo. Para ele as obras têm seu valor unicamente no Filho de Deus, “pois somos feitura dele, criados em Cristo Jesus para boas obras […]” (Ef 2.10). A graça e as obras não estão relacionadas apenas no Novo Testamento, não obstante, elas sempre estiveram ligadas uma à outra desde o Antigo Testamento. O Novo Testamento é o “refletor” que clareia a relação da graça com as obras desde o Antigo Testamento como uma promessa designada em ter suas realizações em Cristo. O favor imerecido de Deus era o meio que promovia a salvação no intuito de levar as pessoas a viverem as boas obras para a glória daquele que as salvou. Em Adão a graça se manifesta na sua criação e em seguida a ordenança das boas obras é refletida de não comer o fruto proibido. Em Abraão o chamado gracioso acontece quando ele é convidado a deixar a idolatria, a circuncisão é identificação das boas obras. A graça de Deus encontra e liberta Israel da escravidão do Egito para em seguida receber a ordenança da prática da Lei. Por último, a graça chega a seu estágio e consumação final na eleição da Igreja na pessoa de Jesus de Nazaré, em sequência a Bíblia Sagrada é dada ao cristão na interação de viver as boas obras. Essa construção progressiva da história sobre manifestação da graça faz entender que as obras não salvam, entretanto, quem é salvo deve manifestar boas obras em Cristo para a glória do Deus bom e gracioso.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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NATANAEL DIOGO SANTOS, Pastor Auxiliar da Igreja Assembleia de Deus em Coroatá-MA, Professor de Teologia em várias disciplinas, Escritor de vários artigos pela CPAD e Autor do livro Os Dois Testamentos (Editora Reflexão).