O Devorador de Livros
Texto: Js 15. 15-17
Estudar as Escrituras é uma viagem fascinante, indizível e extraordinária. Ao viajarmos por suas páginas contamos com o Guia e fiel interprete, o Espírito Santo, o qual nos “ensinará todas as coisas” (Jo 14.26) por todo esse maravilhoso itinerário. Nessa viagem há inúmeros e significativos pontos surpreendentes onde devemos obrigatoriamente parar para observá-los sob meditação. Após acurada meditação, devemos de forma indelével extrair lições para a nossa vida (Js 1.8; Sl 1.2), pois tais lições serão benéficas e nortearão nosso viver diante de Deus e dos homens (Lc 2.40,52).
Viajar pelas Escrituras observando a geografia do Mundo Bíblico é extremamente prazeroso. Algo que me chama muito a atenção, é o fato de que o Mundo Bíblico não é apenas um mundo conhecido e explorado hoje, mais que também é um mundo de conhecimento; haja vista, que muitas de suas cidades e regiões estão relacionadas às letras, aos livros, ao conhecimento. Por falta de espaço, podemos citar aqui apenas algumas, a começar pelo Egito. Dos alagadiços do rio Nilo é que o papiro, precursor do papel, era extraído e usado para a escrita na antiguidade egípcia, e posteriormente pelos hebreus, babilônicos e também pelo mundo grego-romano. Biblos, a antiga Gebal, na Fenícia, foi grande produtora do papiro, e por meio do seu porto o mesmo era importado pelos gregos. Foi esta cidade quem deu o nome Bíblia, para o livro divino. Os fenícios também contribuíram muito com a invenção do alfabeto fonético. Esse alfabeto serviu de alicerce para o alfabeto grego. E este, por sua vez, originou o alfabeto latino, que gerou o alfabeto que usamos hoje em nossa pátria amada, o Brasil. Pérgamo, um dos principais centros culturais do mundo grego, possuía a segunda maior biblioteca do mundo helênico, com aproximadamente, 200 mil rolos, perdendo apenas para a famosa biblioteca de Ptolomeu II Filadelfo, em Alexandria, com cerca de 500 mil rolos, entre os quais, os livros sagrados tinham destaque. À cidade de Pérgamo atribui-se a origem do pergaminho. A Mesopotâmia também tem a sua contribuição no mundo do conhecimento. Atribui-se aos sumérios a invenção da escrita silábica, por volta de 3200 a.C. Da Mesopotâmia, ainda podemos citar a existência de bibliotecas famosas, tais como a biblioteca de Assurbanipal em Nínive, e a biblioteca de Ur dos caldeus, cidade natal de Abraão, onde havia um abundante acervo de livros feitos de cerâmica. É justo que se diga também, que as cidades de Ramá, e provavelmente, Gibeá, foram pioneiras em educação teológica (1Sm. 19.20; 10.5,10). É possível que outros núcleos de estudos devam ter sido estabelecidos em Gilgal, Betel e Jericó (2Rs. 4.38; 2.3,5,7,15; 4.1; 9.1). Acredito plenamente que Abraão era um homem de invejável cultura, e isso refletiu positivamente sobre o povo hebreu. Quando ele saiu da sua terra e veio para Canaã, ao chegar em Siquém, precisamente debaixo dos Carvalhos de Moré, o Senhor lhe apareceu e lhe disse: “À tua semente darei esta terra.” (Gn 12.6,7). Não somente a mensagem, mais o lugar em si, também era profético, pois os hebreus conquistariam mais do que uma terra. Conquistariam CONHECIMENTO (Dt 4.6). Não é à toa que na atualidade os judeus já estão entre os mais sábios do mundo, e sob a promessa de serem os melhores (Dt 28.1). Desde a criação do Prêmio Nobel, em 1901, dos 850 ganhadores, 180 são judeus. Destes, 157 atuam em áreas cientificas. E entre seus mais eruditos se destacam Freud e Einstein. Como observamos, a história de Israel na terra de Canaã, começa com Abraão debaixo dos Carvalhos de Moré. Os carvalhos são árvores símbolo de portal, e Moré significa “professor”, em hebraico. Portanto, aquele local tornou-se o portal de entrada para a nova terra e também para a aquisição do conhecimento para o povo hebreu, e Abraão que nasceu e foi educado em Ur dos Caldeus, tornou-se o seu primeiro e grande mestre. Com base no salutar aprendizado recebido do patriarca, o povo hebreu tornou-se um povo sábio e inteligente (Dt 4.6). E ao contrário do que muitos pensam, não há judeu analfabeto, pois na sua tradição, ser analfabeto é pecado. Toda criança judia ao completar três anos de idade, deveria escrever o alfabeto hebraico com mel, e depois citar o nome das letras enquanto lambiam as mesmas, associando seu sabor ao mel (Sl 119.103). Os pais eram os educadores primário da criança judia (Dt 6.4-9). Eles tinham a tarefa de inculcar a Torá no espírito dos seus filhos, de forma incisiva, tal como Joquebede fez com Moisés, o qual, mesmo depois de ter se tornando profundo conhecedor das ciências egípcias e possível sucessor do Faraó (At 7.22), abandonou tudo por causa dos bens eternos (Hb 11.23-26). Não foi diferente com o jovem pastor Timóteo, cujos ensinos materno o influenciou para sempre (2Tm 1.5; 3.14-15).
Após a conquista da terra das promessas sob a liderança de Josué, não demorou muito para que a mesma fosse partilhada entre as 12 tribos. À tribo de Judá fora dada a extensa terra do Sul, desde a encosta sul de Jerusalém até os termos de Edom (Jz 15). Dentro desses termos estava a cidade de Hebrom, aninhada nas belas montanhas centrais. Essa cidade fora dada ao veterano Calebe (Jz 14.13-15), o qual após expulsar os filhos de Anaque, continuou suas conquistas. E, no afã de conquistar Debir, prometeu dar a sua filha Acsa como esposa a quem conquistasse a cidade (Jz 15.15,16), não demorou muito para que o valente Otniel assim o fizesse (Jz 15.17-19). Debir era uma cidade real cananéia (Js 10.38,39), e antigamente conhecida como Quiriate-Sêfer (Jz 15.15). Após Otniel conquistá-la, tornou-se uma importante cidade sacerdotal para os coatitas (Js 21.9,15). Quiriate-Sêfer, significa, “Cidade dos Livros”, ou “Cidade das Letras”. A cidade era um núcleo de educação religiosa, e no centro da mesma, havia uma grande biblioteca, e dentro dessa biblioteca haviam salas onde os sacerdotes cananeus se reclusavam para meditar e preparar sermões. O povo da cidade esbanjava sabedoria e se orgulhando por isso, adoravam a sua patrona, a Fonte do Conhecimento. Otniel feriu os moradores da cidade, mas não ateou fogo a ela, como costumeiramente se fazia às cidades conquistadas. Havia muito o que se preservar ali!
Das conquista de Otniel, extraímos pelo menos duas lições para as nossas vidas como obreiros do Senhor, vejamos
1. O obreiro deve ser aplicado à leitura
Otniel, cujo nome significa, “Leão de Deus”, conquistou a Cidade dos Livros, das Letras e do Conhecimento. Daí eu chamá-lo de o “devorador de livros”, pois de forma voraz conquistou a cidade com todo o seu acervo literário. Ezequiel e João, o vidente de Patmos, foram exortados por Deus a comerem um livro onde estava a sua mensagem (Ez 3.1-3; Ap 10.8-11). A expressão “devorador de livros”, é uma metáfora para dizer que, enquanto obreiros do Senhor, precisamos ter o hábito voraz da leitura, tanto bíblica, quanto secular. Evidentemente, que a leitura bíblica deverá ser priorizada. A leitura da Bíblia deve ser feita diariamente, tal como a ingestão de alimentos (Dt 8.3; Js 1.8; Sl 1,2; 119.97), pois nela encontramos nutrientes necessários para nós e para os nossos ouvintes (1Tm 4.13-16). Infelizmente há obreiros que nem mesmo a Bíblia lêem mais. Os que assim procedem, perderam o prazer em meditar na lei do Senhor, e suas almas estão a definhar (Sl 19.7). O apóstolo Paulo era um leitor voraz (2Tm 4.13) e estimulava aos outros para que assim o fosse (1Tm 4.13). “Persiste em ler”, era o que Paulo estava recomendando ao jovem pastor Timóteo, para que ele cultivasse o hábito da leitura sem interrupção. Qual obreiro conseguirá ensinar se não for um bom leitor e um bom estudante da Bíblia, e de outros bons livros? Do saudoso Pr. Estevam Ângelo de Souza, a história nos conta: “Era também um “devorador” de livros. Lia de quase tudo, mas principalmente a Bíblia.” Por essa razão tornou-se o mestre que foi, o os seus ensinos nos influenciam até hoje. Assim como nosso saudoso Estevam Ângelo, devemos queimar nossas pestanas, nos debruçando demoradamente sobre o Livro divino para conhecê-lo, doutra forma, jamais teremos como ensiná-lo. O obreiro do Senhor tem como dever ser “apto para ensinar” (1Tm 3.2), e ensinar exige dedicação (Rm 12.7). Ele só ensinará se tiver aprendido. Se fizer diferente disto, será um Aimaás da vida, um mensageiro sem mensagem conveniente, ministrando seja o que for (2Sm 18.19-23). O estudo sistemático da Bíblia, tanto o ajudará na compreensão da mesma, como na elaboração e exposição dos seus sermões. A igreja do Senhor, neste contexto representada por Acsa, a esposa de Otiel, cujo nome significa “adornada”, nunca se contentará com as terras secas, e recorrerá ao seu líder espiritual, para abeberar-se nas fontes baixas do conhecimento secular, e nas fontes superiores do conhecimento bíblico (Js 15.19; 2Pd 3.18; Tg 1.5). Essa é razão básica pela qual o obreiro deve ser apto para ensinar, pois a igreja não merece receber ou ouvir qualquer “mensagem”. Deixo aqui oito boas razões pelas quais devemos ler e estudar a Bíblia: Bem aventurado aquele que a lê (Ap 1.3); ela é inspirada por Deus (2Tm 3,16); ela deve ser examinada (Jo 5,39); ela é a nossa alegria (Sl 1.2; 119.92); ela é perfeita e restaura a alma (Sl 19.7); nela temos avida eterna (2Tm 3.15); ela é espírito e vida (Jo 6.63); ela é a verdade (Jo 17.17).
2. O Gabinete Pastoral, um lugar de oração e estudo
Os sacerdotes cananeus, na “Cidade dos Livros” tinham um local apropriado para a meditação e preparo dos seus sermões. Mais do que nunca, é extremamente necessário em nossos dias que o obreiro do Senhor tenha um lugar semelhante, pois orar e ensinar são responsabilidades prioritárias do pastor (At 6.4). O Gabinete Pastoral não é vaidade, é necessidade. É um lugar para o presidente da instituição, mais também, para o pastor da igreja. Nesse ambiente, o obreiro deverá ter a sua biblioteca com bons livros que o auxiliarão tanto no estudo das Escrituras, como no preparo dos seus sermões. Todo obreiro inteligente se esforçará ao máximo para investir em boa literatura, pois investir em bons livros é investir em si próprio e nas suas ovelhas. Como já dizia Mark Twain: “O homem que não lê bons livros não tem nenhuma vantagem sobre o homem que não sabe ler.” Não é sem razão que em Apocalipse 1.3, lemos: “Bem-aventurado aquele que lê.” Um obreiro não pode ser preguiçoso, principalmente para ler. A bem-aventurança de um obreiro que lê está nos muitos frutos que serão colhidos, em razão da sua dedicação.
O profeta Elizeu, homem de Deus, ganhou um quarto com quatro objetos básicos: uma cama para descanso (Mc 6.31), e oração, recostado sobre ela (Mt 6.6); um candeeiro que representa a presença iluminadora do Espírito Santo na vida do obreiro (Jo 16.13); e uma cadeira e uma mesa, que serviriam tanto para o momento das refeições, como para a leitura (2Rs 4.10). É certo que a cama não é móvel para uso no gabinete pastoral, e nem é a minha intenção falar neste artigo sobre o merecido descanso pastoral. Tenho aqui, apenas a intenção de ressaltar a importância do obreiro ter uma escrivaninha apropriada para a leitura e produção dos seus sermões, assim como um local reservado para falar com Deus.
O apóstolo Paulo, escritor de 13 epístolas, fez das prisões em Cesaréia e Roma o seu scriptorium, onde suas chamadas cartas das prisões foram escritas visando a edificação de igreja de Cristo (Ef 3.1; Fp 3.12; Cl 4,10; Fm v.1; Ef 4.11-16). Como se vê, desde sempre, e mesmo em suas dificuldades, os homens de Deus tiveram a necessidade de um local reservado para a oração e produção do conteúdo doutrinário que tem norteado a igreja até hoje.
A respeito de um lugar secreto para a oração, o Senhor Jesus ensinou dizendo: “Mas tu, quando orares, entra no teu aposento e, fechando a tua porta, ora a teu Pai, que vê o que está oculto; e teu Pai, que vê o que está oculto, te recompensará” (Mt 6.6). Quem tem um lugar secreto para orar, não precisa dizer à igreja que passou a madrugada orando, pois os efeitos das suas orações serão vistos nos seus sermões e na vida da igreja que o ouve pregar. Aliás, todo pregador ou ensinador cristão responsável, quanto mais em evidência estiver, mais ele se recolherá ao lugar secreto da oração (Lc 5.15,16). Paulo, ao chegar em Filipos, sabedor dos desafios que lhe esperavam, logo procurou um lugar reservado para orar (At 16.13). Que a chama da oração nunca deixe de tremular em nossos corações, como disse Montgomery, em seu poema, Que é Orar? “A oração é o desejo sincero da alma, que fica mudo ou é expresso, é o movimento de uma chama oculta que tremula no peito.”
Precisamos orar sempre (2Ts 5.17), pois a oração é a respiração da alma. O obreiro que não ora, está fadado ao fracasso, pois de nada adiantará se dedicar tanto à obra do Senhor, se não se dedicar com mais fervor ao Senhor da obra. Do saudoso Pr. Estevam Ângelo de Souza, o seus filhos registraram o seguinte: “…ele era um homem que orava, pelo menos cinco horas por dia; muitas vezes, o dia todo. Por esse motivo, foi o homem a quem Deus muito abençoou no ministério da pregação e ensino da Palavra, na condução de milhares de almas aos pés do Senhor e no fortalecimento do rebanho que lhe fora confiado…”
Que Deus nos ajude a vivermos à sobra de exemplos extraordinários, como destes homens, que apesar das suas limitações se dedicaram incansavelmente ao estudo das Escrituras e a oração. Por essa razão fizeram muito, e disto a própria história dá testemunho. Que Deus nos abençoe hoje e sempre!
Nos Laços do Calvário, vosso serviçal em Cristo
Pr. Enilson de Jesus Tavares Ribeiro
Líder da Assembleia de Deus no Campo de Jussatuba/Icatú-MA
Coord. do Projeto ATOS nas regiões do Munin e Lençóis